No caso analisado pela Corte, bens imóveis não escriturados haviam sido excluídos do inventário e partilha, ao fundamento de que a prévia regularização seria imprescindível, não se admitindo a partilha de direitos possessórios.
Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelas filhas e pela viúva do autor da herança, mantendo o entendimento do juízo de primeiro grau.
Em seguida, ao julgar o Recurso Especial 1.984.847-MG, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu ser admissível, em ação de inventário, a “partilha de direitos possessórios, quando ausente a má-fé dos possuidores, resolvendo, em caráter particular e imediatamente, a questão que diz respeito somente à sucessão, relegando a um segundo e oportuno momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel.”
A Min. Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que, embora a partilha de bens causa mortis normalmente esteja associada à ideia de divisão das propriedades formalmente acumuladas em vida pelo falecido, “é preciso observar que existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente constituídos sob a titularidade do falecido”.
Veja-se trecho elucidativo do voto condutor: “[...] não se pode olvidar que há uma parcela significativa de bens que se encontram em situação de irregularidade por causas distintas, como, por exemplo, a incapacidade do Poder Público de promover a formalização da propriedade em determinadas áreas rurais ou urbanas, parcelamentos, loteamentos ou edificações ou, até mesmo, a hipossuficiência econômica ou jurídica das partes para dar continuidade aos trâmites necessários para que se atinja esse resultado. Em tais situações, os titulares dos direitos possessórios devem receber a tutela jurisdicional”.
Assim, o STJ deu provimento ao recurso especial, “a fim de, afastado o óbice à partilha apontado no acórdão recorrido, determinar seja dado regular prosseguimento à ação de inventário, apurando-se a existência dos requisitos configuradores do alegado direito possessório suscetível de partilha entre os herdeiros”.
Desse modo, foi reconhecida a autonomia existente entre o direito de propriedade, que possui requisitos e elementos específicos, e o direito de posse, bem como a expressão econômica do direito possessório que pode ser objeto de tutela jurisdicional, o qual é passível de partilha pelos herdeiros “sem que haja reflexo direto nas eventuais discussões relacionadas à propriedade formal do bem”.
Referência: Recurso Especial 1.984.847-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 24/06/2022, obtido em www.stj.jus.br.